sábado, 8 de janeiro de 2011

Curtos-circuitos - Slavoj Žižek


Introdução da série Curtos-circuitos

Slavoj Žižek
Tradução: Rodrigo Nunes Lopes Pereira

Um curto-circuito ocorre quando há uma conexão defeituosa na rede – defeituosa, claro, do ponto de vista do bom funcionamento da rede. O choque do curto-circuito, portanto, não é uma das melhores metáforas para uma leitura crítica? Um dos mais eficazes procedimentos críticos não é cruzar os fios que normalmente não se tocam: tomar um grande clássico (texto, autor, noção), e lê-lo em curto-circuito, através das lentes de um autor, texto, aparato conceitual “menor” (“menor” deve ser entendido aqui no sentido de Deleuze: não “de menor qualidade”, mas marginalizado, repudiado pela ideologia hegemônica, ou lidar com um tópico “inferior”, menos digno)? Se a referência menor for bem escolhida, tal procedimento pode conduzir a insights que irão solapar e destruir completamente nossas percepções comuns. Isto é o que fez Marx, entre outros, com a filosofia e com a religião (gerando um curto-circuito na especulação filosófica através das lentes da economia política, isto é, da especulação econômica); isto é o que Freud e Nietzsche fizeram com a moralidade (gerando um curto-circuito entre as mais elevadas noções éticas através das lentes da economia libidinal inconsciente). O que tal leitura alcança não é uma simples “dessublimação”, uma redução do conteúdo intelectual mais elevado à sua causa econômica ou libidinal inferior; o objetivo de tal abordagem é, antes, o inerente descentramento do texto interpretado, que traz à luz seu “impensado”, seus pressupostos e conseqüências recusados.
         E isso é o que a série “Curtos-circuitos” [Short Circuits] quer fazer, repetidamente. A premissa subjacente da série é que a psicanálise lacaniana é um instrumento privilegiado para tal abordagem, cuja proposta é iluminar um texto comum ou formação ideológica tornando-o legível de uma maneira totalmente nova – a longa história das intervenções lacanianas em filosofia, religião, artes (das artes visuais, cinema, à música e à literatura), ideologia e política, justificam essa premissa. Esta, então, não é uma nova série de livros de psicanálise, mas uma série de “conexões no campo freudiano” – de curtas intervenções lacanianas em arte, filosofia, teologia e ideologia.
         A série “Curtos-circuitos” pretende reviver uma prática de leitura que confronta um texto clássico, um autor ou noção com seus próprios pressupostos ocultos, e então revelar sua verdade recusada. O critério básico para os textos que serão publicados é que eles efetuem tal curto-circuito teórico. Depois de ler um livro desta série, o leitor não deverá ter simplesmente aprendido algo novo: a questão é torná-lo ciente de outro lado – perturbador – de alguma coisa que ele conhecia o tempo todo.      

[Os títulos dos livros que compõem a série Short Circuits editada por Slavoj Žižek e publicada por The MIT Press são: The Puppet and the Dwarf: The Perverse Core of Christianity, Slavoj Žižek; The Shortest Shadow: Nietzsche's Philosophy of the Two, Alenka Zupančič; Is Oedipus Online? Siting Freud after Freud, Jerry Aline Flieger; Interrogation Machine: Laibach and NSK, Alexei Monroe; The Parallax View, Slavoj Žižek; A voice and nothing more, Mladen Dolar]