quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Órgãos sem Corpos – Gilles Deleuze 5. Quasi-causa por Slavoj Žižek

Órgãos sem Corpos – Gilles Deleuze

5. Quasi-causa
Slavoj Žižek
Tradução: Rodrigo Nunes Lopes Pereira

Assim, por um lado, Manuel DeLanda, em sua excelente exposição sobre a ontologia de Deleuze, afirma a “desaparição do processo sob o produto”, a lógica que se apoia em uma longa tradição (hegeliano-marxista!) de reificação. “Este tema do encobrimento do processo sob o produto é chave na filosofia de Deleuze, na medida em que seu método filosófico é, ao menos em parte, concebido para superar a ilusão objetiva favorecida por essa ocultação”[1]. E o próprio nível da produção é inequivocamente designado como o nível das virtualidades: na e sob a realidade constituída, nas “extensivas e áridas propriedades ‘qualitativas’ do produto final”[2], deveríamos descobrir os traços do processo intensivo de virtualidades – Ser e Devir se relacionam como Real e Virtual. Como, então, combinamos esta inequívoca afirmação do Virtual como o lugar da produção que gera a realidade constituída com a não menos inequívoca declaração de que o virtual É produzido fora do real?
As multiplicidades não devem ser concebidas como possuindo a capacidade de interagir ativamente com outras através dessas séries. Deleuze pensa nelas como dotadas apenas de uma simples capacidade de serem afetadas, na medida em que são, em suas palavras, “entidades impassíveis – resultados impassíveis”. A neutralidade ou esterilidade das multiplicidades pode ser explicada da seguinte maneira.
Embora sua universalidade divergente faça-as independentes de qualquer mecanismo particular (a mesma multiplicidade pode ser realizada por vários mecanismos causais), elas dependem do fato empírico de que um mecanismo causal ou outro efetivamente existe.
(...) Elas não são entidades transcendentes, mas imanentes. (...) Deleuze vê as multiplicidades como “efeitos incorpóreos de causas corporais, isto é, como resultados históricos de causas reais, sem possuírem poderes causais em si mesmas. Por outro lado, como ele escreve, “na medida em que elas diferem em natureza dessas causas, elas entram, uma com a outra, em relações de quasi-causalidade. Juntas, elas entram em uma relação com uma quasi-causa, que em si mesma é incorporal e assegura-lhes uma independência muito especial. (...) Diferentemente das capacidades reais, que são sempre capacidades de afetar e serem afetadas, os afetos virtuais são nitidamente divididos em uma pura capacidade de serem afetados (exibida por multiplicidades impassíveis) e uma pura capacidade de afetar.[3]
O conceito de quasi-causa é o que previne que se regrida para um simples reducionismo: ele designa o simples agenciamento da causalidade transcendental. Tomemos um exemplo do próprio Deleuze, de seu A imagem-tempo: a emergência [emergence] do movimento neo-realista de cinema.  Podemos, claro, explicar o neo-realismo por um conjunto de circunstâncias históricas (o trauma da Segunda Guerra Mundial, etc.). No entanto, há um excesso na emergência [emergence] do Novo: o neo-realismo é um Evento que não pode simplesmente ser reduzido às suas causas materiais/históricas, e a “quasi-causa” é a causa desse excesso, a causa que torna um Evento (uma emergência [emergence] do Novo) irredutível às suas circunstâncias históricas. Pode-se dizer também que a quasi-causa é o segundo nível, a metacausa do próprio excesso do efeito sobre suas causas (corporais). Esta é a maneira como se deveria entender o que Deleuze diz sobre ser afetado: na medida em que o Evento incorporal é um puro afeto (um resultado estéril-neutro-impassível), e na medida em que algo Novo (um novo Evento, um Evento do/como o Novo) pode emergir se a cadeia de suas causas corporais não está completa, dever-se-ia postular, além e acima da rede de causas corporais, uma capacidade para afetar pura, transcendental. Este, também, é o motivo de Lacan ter apreciado tanto a Lógica do sentido: a quasi-causa de Deleuze não é o equivalente exato do objet petit a de Lacan, essa entidade imaterial, espectral, pura, que serve como o objeto-causa do desejo?
Devemos ser muito precisos aqui, no sentido de não perdermos o ponto: Deleuze não está afirmando um simples dualismo psicofísico no sentido de alguém como John Searle; ele não está oferecendo duas “descrições” diferentes do mesmo evento. Não se trata de que o mesmo processo (por exemplo, uma atividade de fala) possa ser descrito de maneira estritamente naturalista, como um processo físico e neuronal incorporado em sua causalidade efetiva, ou, por assim dizer, “de dentro”, no nível do sentido, onde a causalidade (“eu respondo sua pergunta porque eu a entendo”) é pseudocausalidade. Em tal abordagem, a causalidade corporal-material permanece completa, enquanto que a premissa básica da ontologia de Deleuze é que a causalidade corporal NÃO é completa: na emergência do novo, alguma coisa ocorre que NÃO PODE ser completamente descrita no nível das causas e efeitos corporais. A quasi-causa não é um teatro de sombras ilusório, como uma criança que pensa que é ela que magicamente faz um brinquedo correr, inconsciente sobre a causalidade mecânica que efetivamente faz o trabalho – a quasi-causa, ao contrário, preenche a lacuna da causalidade corporal. Neste sentido estrito, e na medida em que o Evento é o Evento-Sentido, a quasi-causa é o não-senso como inerente ao Sentido. Se um discurso pudesse ser reduzido a seu sentido, então ele cairia na realidade – a relação entre o Sentido e  sua realidade designada seria simplesmente a relação entre objetos no mundo. O nonsense é o que mantém a autonomia do nível do sentido, de sua superfície de fluxo de puro devir em relação à realidade designada (“referente”). E isso não nos leva de volta ao desafortunado “significante fálico” como o significante “puro” sem significado? O falo lacaniano não é precisamente o ponto de não-senso sustentando o fluxo de sentido?
  Deve-se, portanto, problematizar a DUALIDADE bastante básica do pensamento de Deleuze, que é a do devir versus ser, que aparece em diferentes versões (Nômade versus Estado, molecular versus molar, esquizo versus paranóico, etc.) Essa dualidade é em última instância sobredeterminada como “bom versus mau”: o objetivo de Deleuze é libertar a força imanente de Deveir de sua auto-escravização à ordem do Ser. Talvez o primeiro passo para essa problematização seja confrontar essa dualidade com a dualidade do Ser e do Evento, enfatizando sua derradeira incompatibilidade: o Evento não pode ser simplesmente identificado com o campo virtual do Devir que gera a ordem do Ser – muito pelo contrário, na Lógica do sentido o Evento é enfaticamente afirmado como “estéril”, capaz apenas de pseudo-causalidade. Então, e se no nível do Ser nós tivermos uma multidão irredutível de particularidades interagindo, e é o Evento quem atua como a forma elementar de unificação/totalização?
  A remobilização de Deleuze do velho tópico idealista-humanista da regressão do resultado “reificado” para seu processo de produção é revelada aqui. A oscilação de Deleuze entre os dois modelos (devir como o efeito impassível; devir como o processo gerador) não é homóloga à oscilação, na tradição marxista, entre os dois modelos de “reificação”? Primeiro, há o modelo de acordo com o qual a reificação/fetichização percebe incorretamente as propriedades pertencentes a um objeto, objeto este que é parte de um elo sócio-simbólico. Ele é percebido em suas propriedades “naturais” imediatas (como se os produtos fossem mercadorias “em si mesmas”); há, então, a noção do jovem Lukacs mais radical (et al.) de acordo com a qual a realidade “objetiva” como tal é algo “reificado”, um resultado fetichizado de algum processo de produção subjetivo oculto. Assim, num paralelo exato com Deleuze, no primeiro nível, não devemos confundir as propriedades sociais de um objeto com suas propriedades naturais imediatas (no caso de uma mercadoria, seu valor de troca com suas propriedades materiais que satisfazem nossas necessidades). Da mesma forma, nós não devemos perceber (ou reduzir) um afeto virtual imaterial ligado a uma causa corporal às propriedades materiais de um corpo. No segundo nível, então, nós devemos conceber a própria realidade objetiva como resultado do processo produtivo social – da mesma maneira que, para Deleuze, o ser real é o resultado do processo virtual de devir.
Talvez o limite de Deleuze resida em seu vitalismo, em sua elevação da noção de Vida como um novo nome para Devir como o único verdadeiro Todo englobante, a Unidade, do próprio Ser. Quando Deleuze descreve a gradual autodiferenciação do puro fluxo de Devir, sua gradual “reificação” em entidades distintas, ele efetivamente não se torna uma espécie de processo de emancipação plotiniano? Contra essa postura “idealista”, devemos nos ater à tese de Badiou sobre a matemática como a única ontologia adequada, a única ciência do puro Ser: o Real sem sentido da multidão pura, a vasta frieza infinita do Vazio. Em Deleuze, Diferença se refere a múltiplas singularidades que expressam o Um da Vida infinita, enquanto que, com Badiou, nós temos multidão(ões) sem qualquer Unidade subjacente. Em Deleuze, Vida ainda é a resposta à questão “Por que há algo em vez de Nada?”, enquanto que a resposta de Badiou é mais sóbria, próxima ao budismo E a Hegel: Apenas HÁ nada, e todos os processos ocorrem “do Nada, através do Nada para o Nada”, como colocou Hegel.
Em sua determinação nocional de a realidade constituída ser minada diante do espaço virtual de devir, Deleuze condensa os dois níveis que, para Heidegger em Sein und Zeit, formam a oposição ontológica mais elementar, aquela da Vorhandene (presente-ao-alcance)[*] e do Zuhandene (pronto-para uso):[†] Para Deleuze, essa atitude padrão considera simultaneamente os objetos como entidades positivas isoladas ocupando um local particular no espaço geométrico abstrato, como objetos de representação contemplativa, e como objetos percebidos através do ponto de vista do engajamento existencial do sujeito, reduzidos ao seu uso potencial dentro do horizonte dos interesses, projetos, desejos, e assim por diante, do sujeito. (Para Heidegger, bem como para o Husserl tardio, o gesto metafísico elementar é precisamente a retirada da imersão em um mundo-vida concreto para a posição de observador abstrato). O fato dessa condensação não implica qualquer crítica direta de Deleuze: pode facilmente ser mostrado que o que ele define como o próprio trabalho conceitual da filosofia (ou, em um nível diferente, o trabalho da arte) mina AMBOS, nossa imersão no mundo-vida e nossa posição como observadores abstratos da realidade. Quando um filósofo produz um novo conceito, ou quando um artista representa um afeto de uma nova maneira, libertado do círculo fechado da subjetividade situada em uma realidade positiva dada, ele abala nossa imersão na habitual vida-mundo, bem como nossa posição segura como observadores da realidade. Nós perdemos nossa posição de observadores abstratos; somos forçados a admitir que novos conceitos ou obras de arte são o resultado de nossa produção engajada – ainda num mesmo gesto, a filosofia ou a arte também solapam nossa imersão no habitus de uma vida-mundo particular.[4]
Essa oposição do virtual como o lugar do Devir produtivo e do virtual como o Evento-Sentido estéril não é, ao mesmo tempo, a oposição entre “corpo sem órgãos”(CsO) e “órgãos sem corpo” (OsC)?  Por um lado, o fluxo do puro Devir produtivo não é o CsO, o corpo ainda não estruturado ou determinado como órgãos funcionais? E por outro lado, o OsC não é a virtualidade de puro afeto extraída de sua fixação em um corpo, como o sorriso em Alice no País das Maravilhas que persiste sozinho, mesmo quando o corpo do gato de Cheshire não está mais presente?: “ ‘Tudo bem’ disse o gato; e desta vez ele desapareceu bem lentamente, começando pelo final do rabo e terminando pelo sorriso, que permaneceu por algum tempo depois do resto ter ido embora. ‘Bem! Eu muitas vezes vi um gato sem um sorriso’, pensou Alice, ‘mas um sorriso sem um gato! É a coisa mais curiosa que eu já vi na minha vida!’”. Essa noção de um OsC extraído reemerge vigorosamente em A imagem-tempo sob a forma do OLHAR como um órgão autônomo não mais vinculado a um corpo.[5] Essas duas lógicas (o Evento como um poder que gera realidade; o Evento como estéril, puro efeito de interações corporais) também envolve duas instâncias psicológicas privilegiadas: o Evento gerador de Devir baseia-se na força produtiva do “esquizo”, essa explosão do sujeito unificado na multidão impessoal de intensidades desejantes, intensidades que são posteriormente constrangidas pela matriz edípica; o Evento como estéril, efeito imaterial, baseia-se na figura do masoquista que encontra satisfação no tédio, jogo repetitivo de rituais encenados cuja função é adiar para sempre a passage à l’acte sexual. Pode-se efetivamente  imaginar um contraste mais forte do que a do esquizo atirando-se sem qualquer restrição no fluxo de múltiplas paixões, e do mazoquista agarrando-se ao teatro de sombras no qual suas performances meticulosamente encenadas repetem reiteradamente o mesmo gesto estéril?
E se concebermos, então, a oposição de Deleuze dos corpos materiais e do efeito imaterial do sentido de acordo com a oposição marxista entre infra-estrutura e superestrutura? O fluxo de devir não é superestrutura par excellence – O estéril teatro de sombras ontologicamente subtraído do lugar da produção material, e precisamente, como tal, o único espaço possível do Evento? Em seu irônico comentário da Revolução Francesa, Marx opõe o entusiasmo revolucionário ao efeito sóbrio da “manhã seguinte”: o resultado efetivo da explosão revolucionária sublime, do Evento de liberdade, igualdade, e irmandade, é o miserável universo utilitarista/egoísta dos cálculos de mercado. (E, aliás, essa lacuna não é ainda maior no caso da Revolução de Outubro?) Contudo, não se deve simplificar Marx: seu ponto não é o da visão bastante comum de como a realidade vulgar do comércio é a “verdade” do teatro do entusiasmo revolucionário, “o que toda essa agitação realmente significa”. Na explosão revolucionária como um Evento, outra dimensão Utópica brilha, a dimensão da emancipação universal que, precisamente, é o excesso traído pela realidade de mercado que se apodera do “dia seguinte” – como tal, esse excesso não é simplesmente abolido, descartado como irrelevante, mas é, por assim dizer, transposto para o estado virtual, continuando a assombrar o imaginário emancipatório  como um sonho esperando para ser realizado.  O excesso de entusiasmo revolucionário sobre sua “base social efetiva” ou substância é assim a de um efeito-atributo sobre sua própria causa substancial, uma espécie de Evento fantasma esperando sua incorporação oportuna. Não foi nenhum outro que C.K. Chesterton, a propósito de sua crítica da aristocracia, que ofereceu a mais sucinta refutação igualitária esquerdista daqueles que, sob o pretexto de respeita às tradições, endossam as injustiças e desigualdades existentes: “A aristocracia não é uma instituição: aristocracia é um pecado; geralmente um pecado bastante perdoável”.[6]
Aqui nós podemos discernir em que sentido preciso Deleuze quer ser um materialista – fica-se quase tentado a por em termos clássicos estalinistas: em oposição ao materialismo mecânico que simplesmente reduz o fluxo de sentido a suas causas materiais, o materialismo dialético está apto a pensar este fluxo em sua autonomia relativa. Isso quer dizer, toda a questão de Deleuze é que, embora o sentido seja um efeito estéril impassível de causas materiais, ele tem autonomia e eficiência própria. Sim, o fluxo de sentido é um teatro de sombras, mas isso não significa que devemos negligenciá-lo e nos focarmos na “luta real” – num certo sentido, esse mesmo teatro de sombras é o lugar CRUCIAL da luta; em última instância, TUDO é decidido aqui. William Hasker perspicuamente chama a atenção para o estranho fato de que os críticos do reducionismo são bastante relutantes em admitir que os argumentos contra o reducionismo radical são falsos: “Por que há tantos não-eliminativistas  fortemente resistentes à ideia de que o eliminativismo foi conclusivamente refutado?”.[7] Sua resistência trai um medo da perspectiva de que, se sua posição falha, eles irão necessitar do reducionismo como seu último recurso. Então, embora eles considerem o eliminativismo falso, eles estranhamente, no entanto, prendem-se a ele como um tipo de posição de reserva (“Fall-back”), traindo assim uma descrença secreta em sua própria conta de consciência materialista não-reducionista – sendo este um bom exemplo de posição teórica repudiada, de divisão fetichista na teoria. (Sua posição não é homóloga a dos teólogos racionais esclarecidos que, contudo, secretamente querem manter aberta a posição teológica mais “fundamentalista” que eles constantemente criticam? E não encontramos uma atitude dividida similar nesses esquerdistas que condenam os atentados suicidas com bomba aos israelenses, mas não inteiramente, mantendo uma reserva interior – de maneira que, se a política “democrática” falha, deveríamos portanto deixar a porta aberta para a opção “terrorista”?) Aqui, dever-se-ia retornar a Badiou e Deleuze, na medida em que eles realmente, completamente, rejeitam o reducionismo: a afirmação da “autonomia” do nível do Evento-Sentido não é para eles um compromisso com o idealismo, mas a tese NECESSÁRIA de um materialismo verdadeiro.[8] E o que é crucial é que essa tensão entre as duas ontologias em Deleuze claramente traduz-se em duas diferentes lógicas e práticas políticas.  A ontologia do Devir produtivo claramente conduz ao tópico esquerdista da auto-organização da multidão de grupos moleculares que resistem e minam o molar, sistemas de poder totalizantes – a velha noção da multidão viva espontânea, não hierárquica, oposta ao sistema opressivo, reificado, o caso exemplar do radicalismo de esquerda ligado ao subjetivismo filosófico idealista. O problema é que esse é o único modelo disponível de politização no pensamento de Deleuze: a outra ontologia, a da esterilidade do Sentido-Evento, parece “apolítica”. Contudo, e se essa outra ontologia também envolver uma lógica e prática políticas próprias, das quais o próprio Deleuze era inconsciente? Nós podemos, então, proceder como Lênin em 1915 quando, a fim de fundar uma nova prática revolucionária, ele retornou a Hegel – não a seus escritos diretamente políticos, mas, principalmente, à sua lógica? E se, da mesma maneira, houver outra política deleuziana a ser descoberta aqui? A primeira dica nessa direção pode ser oferecida pelo já mencionado paralelo entre o par causas corporais/fluxo de devir imaterial, e pelo velho par marxista infraestrutura/superestrutura: tal política levaria em conta tanto a irredutível dualidade dos processos materiais/socioeconômicos  “objetivos” ocorrendo na realidade, bem como a explosão dos Eventos revolucionários, ada lógica política adequada. E se o domínio da política for inerentemente “estéril”, o domínio de pseudo-causas, um teatro de sombras, porém crucial na transformação da realidade?





[*] N. do t.: No original em inglês, present-at-hand.
[†] N. do t.: No original em inglês, ready-at-hand.



[1]  DELANDA, Manuel. op.cit., p. 73.

[2]  Idem, p. 74.

[3]  Idem, p. 75.

[4] O que é um conceito? Não se trata apenas de que, frequentemente, estamos lidando com pseudo-conceitos, com meras representações (Vorstellungen) postas como conceitos; às vezes, de maneira muito mais interessante,  um conceito pode residir no que parece ser apenas uma expressão comum, até mesmo uma expressão vulgar. Em 1922, Lenin dispensou “os intelectuais, os lacaios do capital, que pensam que são os cérebros da nação. De fato, eles não são seus cérebros, mas sua merda”. ( Citado em D'ENCAUSSE, Helene Carrère. Lenin, New York: Holmes & Meier 2001, p. 308.)

[5] Uma das metáforas para a maneira como a mente se relaciona com o corpo, a do campo magnético, parece apontar na mesma direção: “como um magneto gera seu campo magnético, então o cérebro gera seu campo de consciência” (HASKER, William. The Emergent Self, Ithaca: Cornell University Press 1999, p. 190). O campo tem então uma lógica e uma consistência próprias, embora ela só possa persistir enquanto sua base corporal estiver aqui. Isto significa que a mente não pode sobreviver à desintegração do corpo? Mesmo aqui, outra analogia da física deixa a porta parcialmente aberta: quando Roger Penrose alega que, depois que um corpo cai em um buraco negro, pode-se conceber o buraco negro como um campo gravitacional auto-sustentado – assim, mesmo na física, se considera a possibilidade de que um campo gerado por um objeto material poderia persistir na ausência do objeto. See Hasker, op.cit., p. 232).

[6] G.K.Chesterton, Orthodoxy, San Francisco: Ignatius Press 1995, p. 127.

[7] William Hasker, op.cit., p. 24.

[8] Há, no entanto, um charme sedutor específico na posição (semelhante a Dennett no que concerne a qualia) de flagrantemente NEGAR nossa experiência mais “imediata”.  Não é esse o paradoxo derradeiro: de que os materialistas cujo ponto de partida padrão é a defesa da realidade material imediata contra todas as reivindicações de transcendência terminem negando nossa experiência mais imediata da realidade?